"Curtir" é concordar?

Em princípio, "curtir" é sinônimo de "gostar", mas seu uso nas redes sociais ampliou o significado da palavra para: "concordar". "Se eu curto uma publicação, automaticamente também estou dizendo que concordo com ela. E se não concordo, logicamente não irei deixar a minha curtida."

Gostar está associado ao prazer. Numa sociedade hedonista, tenderemos a concordar com aquilo que gostamos e a discordar do que não gostamos, ignorando que o fato de gostarmos ou não, não transforma equívocos em verdade, muito menos o contrário.

Tenho observado a presença de comentários começando por "EU concordo" / "EU discordo" em postagens de diversos sites. Isto me chama atenção porque evito começar frases, em especial, com a palavra "Discordo". Sei que ela é um canhão apontado diretamente para os valores de alguém, e um modo fácil de iniciar, desnecessariamente, uma discussão polêmica sem fim. Então, por que não evitá-la, utilizando outra maneira de expressar opinião?

O direito de opinião é sagrado, deve ser respeitado. Porém, concordar ou não sem qualquer esforço para tentar compreender o que o outro diz, ou ainda, sem argumentar o motivo da discordância, é um desrespeito com a opinião do outro e com a sua própria, que se torna vazia, mesmo que seu direito de dizê-la (ou não dizê-la) seja respeitado. O concordar/discordar deixa de ser uma opinião para se transformar numa manifestação narcísica hedonista e arrogante e, quando isto acontece, não há argumentos ou fundamentos, por mais científicos que sejam, por mais verdadeiros que sejam, por mais éticos que sejam, que possam mudar tal discordância.

Seria muito mais producente se as pessoas, em vez de ficarem procurando com o que concordar ou discordar, escrevessem suas opiniões com argumentos capazes de mostrar à outras pessoas um ponto de vista diferente, bem fundamentado, não necessariamente contrário, nem tão pouco visando competir, de modo a acrescentar possibilidades de reflexão que talvez o outro não tenha, e até dar-se a chance de conhecer e aceitar algo que nunca havia pensado antes (ou lido antes). Certas coisas não são feitas para terem a nossa concordância, e nem dependem dela para existirem.  Curta, se concordar. Se não concordar, não curta. Mas, ao discordar sem procurar saber pelo menos um pouco mais, poderá correr o risco de estar discordando, por exemplo, de Freud, Nietzsche, Platão, Kant, Sartre, entre dezenas de outros pensadores, e até de algum livro sagrado que eventualmente muitos sigam sem conhecê-lo na íntegra.

– Gutto Carrer Lima







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