Os Três Pedidos

Aos nove anos de idade, Ângelo era um menino questionador e sonhador. Questionava seus sonhos, e sonhava com o que lhe intrigava. Confundia-lhe os dias, o fato de nem sempre distinguir o que era sonho e realidade. Às vezes desejava que o sonho se realizasse, outras queria que a realidade fosse sonho, de modo que o sonho não precisasse dar-se o trabalho de se realizar, pois realidade já seria. Numa noite de sábado, Ângelo assistiu duas vezes seguidas o filme de animação em VHS que contava a história do gênio da lâmpada. Somente nas noites de sábado era permitido assistir TV até tarde, pois não precisaria acordar cedo para ir à escola no dia seguinte. Com o controle remoto do vídeo-cassete na mão, Ângelo adormeceu deitado em sua cama, antes do filme acabar. Ele já sabia o final, porém a história continuou diferente em seu sonho. Agora era ele mesmo quem encontrava o gênio! Como todo gênio que se preze, este se apresentou a Ângelo com a célebre saudação:

— Salve, meu amo! Lisonjeado sou por poder atender a três pedidos que, após satisfeitos, me concederão a liberdade!
— Sério mesmo, gênio? Você já fez isso antes? – perguntou Ângelo.
— Por séculos e séculos tenho atendido a desejos de um amo após outro!
— Então, por que continuou preso à lâmpada? – disse o menino, sempre questionador.
— Porque para eu ser libertado, o desejo deve ser plenamente satisfeito! – respondeu o gênio.
— Que sorte a minha encontrar justo um gênio que deixa a desejar! – reclamou Ângelo.
— Nunca deixei de atender a um pedido, jovem amo! Realizo o que me pedem. Cabe ao pedido, atender a quem o pediu, não a mim. Por isso, pense bem antes de pedir, e somente depois diga-me, com convicção, o que deseja para ser feliz.

Pensando no que o gênio dissera, Ângelo não conseguia definir a felicidade em três pedidos. Sem saber o que pedir, Ângelo disse ao gênio, sem titubear:

— Meu primeiro pedido é saber o que me faz feliz!

— Assim seja, jovem amo! Saiba que este é um pedido muito especial. O mais especial que já ouvi! Para que ele seja atendido, você deve escrevê-lo num papel e guardá-lo secretamente para que ninguém mais o veja!

Ângelo escreveu o pedido rapidamente no verso da capa de um caderno terminado e o guardou no fundo da gaveta de sua escrivaninha, após o quê, o gênio desapareceu.

Ângelo acordou pela manhã lembrando-se do acontecido e, pela primeira vez, teve certeza de que se tratava de um sonho, não realidade.

Nas três décadas que se passaram, Ângelo cresceu, viveu a adolescência, constituiu família, foi bem sucedido na profissão, aproveitou a juventude do jeito que queria (ou podia), sofreu as loucuras da imaturidade e alcançou o ponto da realização em que passaria a perguntar-se: o que falta para eu me realizar? – Os sonhos de Ângelo se realizaram, mas ele, ainda não. Tomado pelo medo de perder e pelas pressões que o ameaçavam com a perda, Ângelo não desfrutava e, antes que desfrutasse, tudo perdeu.

Mais vinte anos se foram tropeçando em perdas e aprendendo que, ao reclamar, aumenta-se o buraco para cair mais. — Onde foi que eu errei? – ele se perguntava, lembrando-se do gênio que fora embora sem atender ao seu pedido, e aguçando a curiosidade a respeito do velho caderno: — Terá sido real e não um sonho? Se foi real, estará o caderno onde eu o guardei?

Em visita ao seu lar original, Ângelo encontrou o caderno. Não estava no fundo de sua gaveta, sim junto à sua velha enciclopédia infanto-juvenil, guardados na mesma caixa onde durante anos ficaram adormecidos antigos objetos e lembranças. Ao abri-lo, pensando no gênio e rindo consigo mesmo, uma intensa luz resplandeceu das páginas amareladas pelo tempo. Conforme recuperava a visão surpreendida pelo flash, Ângelo notou que o cenário se modificara; ele próprio havia se transfigurado novamente no menino de nove anos, e a seu lado estava o gênio. Ângelo não resistiu em sua reação:

— Puta que pariu, que susto! – disse ele ao gênio.
— Salve, jovem amo! Lisonjeado sou por poder atender a mais dois pedidos que, após satisfeitos, me concederão a liberdade!
— Você de brincadeira, né?! Não atendeu ao meu primeiro pedido, me abandonou sem dizer nada, e agora volta dizendo que me restam dois? Se continuar assim, vai ficar preso para sempre neste caderno! Nunca se libertará, porque é um gênio incompetente; não sabe atender aos pedidos! – escrachou o menino, sem papas na língua, ao gênio.
— Jovem amo, olhe atentamente ao redor, veja-se no espelho, reconheça-se antes de andar pela casa e ver que seus pais estão no quarto ao lado – respondeu o gênio, calmamente.
O menino olhou para as paredes e mobília do quarto; lá estavam seus brinquedos, seus posters, mochila, escrivaninha, cama, vídeo-cassete, toca-discos e TV; tudo exatamente como 'era'.
— O que está acontecendo? Você me fez voltar ao passado? Já sei! Estou sonhando, igual sonhava quando criança!
— Jovem amo, eu nunca saí do seu lado enquanto você experimentava sua vida. Como eu poderia saber o que o faria feliz? Somente você mesmo seria capaz de descobrir isso. Eu não o trouxe de volta ao passado. Levei-o para o futuro, segundo a segundo, ano a ano, para atender ao seu primeiro pedido. Para mim, que sou na eternidade, um minuto ou mil anos são a mesma coisa. Nesta viagem, o tempo parou para você, que agora não voltou ao passado, sim ao tempo. Espero que esteja pronto para o próximo pedido.
— Que graça terá eu viver tudo de novo, sabendo o que vai acontecer?
— Você gosta de fazer perguntas, não é? Isto é bom. Seu pedido foi uma pergunta. Pois que seja a resposta, a sua satisfação. Não conheci outro amo tão perspicaz em aproveitar as concessões de um gênio.
— Por que minha pergunta foi tão especial?
— Pense no porquê o seu PEDIDO foi tão especial. Você conseguiu satisfazer a três pedidos num único. Na verdade, satisfez a todos os pedidos que faria em cinquenta anos e ainda ficou com dois de crédito!
— É... rolaram muitas coisas legais, mas depois perdi tudo. Gênio, não tome isto por um pedido ainda, mas acho que o segundo será: não fazer as mesmas cagadas! E o terceiro: afastar de mim todas as pessoas que me levaram a perder tudo! Esta é a vantagem de conhecer o futuro! – disse Ângelo que, além do corpo de menino, voltara a ter o brilho nos olhos e a vontade de viver da juventude.
— Jovem amo, você experimentou a realidade num sonho, e foi um sonho vivido. Não significa que será tudo igual. Talvez venha a conhecer as mesmas pessoas, ou não. Pode ser que tenha as mesmas oportunidades e dificuldades, mas não estamos mudando o passado. As circunstâncias serão totalmente novas, com um déja vu aqui, outro ali, de vez em quando. Porém, você estará construindo seu futuro com o grande benefício de saber o que quer e gosta, e também o que não quer nem em pensamento.
— Hum... quer dizer que não resolveria eu ter os números premiados da loteria, supondo que eu os soubesse?
— Não! Tudo o que aconteceu no seu sonho do futuro foi real, mas os acontecimentos em si, não se repetem. O que se repetirá, serão as oportunidades das experiências, com novas circunstâncias, pessoas e lugares.
— Nossa, gênio! Você é fera em futuro! Desculpe-me pelo que falei. Foi mal...
— Não há de quê, jovem amo, afinal, sou eterno.
— Já que você é eterno, não se importaria em esperar mais um pouquinho para eu fazer meus pedidos, não é?!
— Menino esperto! Vejo que aprendeu também a não ser precipitado. Tudo bem! Eu tenho todo o tempo que precisar para esperar!
— Mas, e se eu nunca chegar a fazer meus dois pedidos? Você ficará preso pela eternidade?
— Agradeço por pensar em mim, jovem amo. Se os seus pedidos não forem feitos até o término do seu tempo, você será considerado um amo satisfeito e serei libertado.
— Então eu o declaro um gênio livre, desde agora para sempre!
— Jovem amo! Não se precipite! E se precisar de mim?
— Mais do que o direito a três pedidos, foi como se você me desse duas vidas! Na primeira, aprendi o que fazer e o que não fazer para ser feliz. O que eu poderia querer mais para viver a próxima vida, que não é a próxima, sim a atual?
— Você fez a mesma pergunta antes de perder tudo no sonho anterior, jovem amo; devo entender esta pergunta também como um pedido?
— Hum... você me deixou inseguro. Eu gostaria de viver sem incertezas, com toda segurança para que nada atrapalhasse minha felicidade... Mas mantenho minha palavra, gênio amigo: você está livre!
— Sendo a minha liberdade um desejo seu, permita-me conceder-lhe o terceiro em gratidão ao segundo, como uma vontade minha: — Tenha meu jovem amo, Segurança! Você será o primeiro homem a conhecer Liberdade e Segurança juntas, sem precisar abrir mão de uma para ter a outra! Saberá fazer isso acontecer, e ao fazer, ensinará a humanidade! — Assim seja, porque assim já é! – disse o gênio, cuja imagem desintegrou-se diante do jovem Ângelo.

Ângelo acordou no dia seguinte, ao chamado de sua mãe para ir à escola. A manhã da segunda-feira ensolarada iluminou o abraço que Ângelo deu em seus pais, como se ele não os visse a cinquenta anos. Também assim, Ângelo abraçou o seu cachorro Bob, a escola, seus colegas, professores, livros e cadernos, tendo na capa de todos eles a frase rabiscada em letra infantil: — Livre e seguramente, eu sei o que me faz feliz! - Por assim saber, Ângelo, e todos a quem ele ensinou, viveram livres, seguros e felizes para sempre!

— Gutto Carrer Lima


"O desejo nos humilha de duas formas: a primeira, impedindo que se realize; a segunda, realizando-se."




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